O economista Carlos Rosado de Carvalho disse hoje que o Programa de Privatizações (ProPriv) de Angola está “muito aquém” dos objectivos e considerou que o sector público “está mais gordo” do que antes do arranque das privatizações.
Carlos Rosado de Carvalho diz que “todo esse processo está muito aquém dos objectivos, nós não vimos a privatização de nenhuma empresa com significado”, excepto o BCI (Banco de Comércio Indústria, privatizado em 2021), que “também é um pequeno banco”, e a alienação dos 25% da participação do Estado no Caixa Angola.
Fazendo um balanço da Comissão Interministerial sobre a implementação do ProPriv em 2023, Carlos Rosado de Carvalho considerou que, desde o início do processo, em 2019, Angola “ainda não registou uma privatização de encher o olho”.
“E, pelo contrário, o sector público está mais gordo do que era antes do início das privatizações, porque o Estado nacionalizou a Pumangol, nacionalizou a UNITEL, por trás da UNITEL vem o BFA (Banco de Fomento Angola), também nacionalizou a Movicel”, realçou.
O economista assinalou também que o Estado nacionalizou “praticamente toda a comunicação social, sobretudo os grandes grupos como a TV Zimbo e a Palanca TV”, ambos canais recuperados pelo Estado, no âmbito do processo de combate à corrupção. “Portanto, o Estado hoje está mais gordo do que estava”, insistiu.
O Governo angolano privatizou 11 dos 74 activos previstos em 2023, cujo valor contratualizado foi de 47,9 mil milhões de kwanzas (53,4 milhões de euros), anunciou na terça-feira a comissão de implementação do ProPriv, no final da primeira reunião ordinária de 2024.
A comissão prevê a privatização de 31 activos durante o ano de 2024, com destaque para a Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), Bolsa de Dívida e Valores de Angola, Standard Bank Angola, via Oferta Pública Inicial, além de 39 hotéis, que pertenciam ao empresário Carlos São Vicente, actualmente a cumprir pena de prisão.
De acordo com Carlos Rosado de Carvalho, os resultados das privatizações revelam que 2023 foi um “ano magro”, pelo facto de neste período do Estado ter contratualizado menos de 50 mil milhões de kwanzas.
“Estamos a falar de 5% do valor contratualizado das privatizações. A maior parte dela é Sonangol com 42 mil milhões de kwanzas (46,8 milhões de euros), portanto foi um ano muito magro em matéria de privatizações”, realçou.
O economista e jornalista angolano considerou, por outro lado, que o processo de privatizações, que se iniciou em 2019, não arrancou em ambiente favorável, tendo em conta o período marcado pela baixa do petróleo e da covid-19.
“O momento não foi o melhor para o processo de privatizações e para que tivesse algum sucesso e, por isso, a privatização da ENSA foi adiada naquela fase, mas, o processo ainda está à espera de ‘estrelas’ para serem privatizadas”, concluiu Carlos Rosado de Carvalho.
Inicialmente, entre 2019-2022, a lista de activos era de 93, segundo o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE).
Na primeira fase do ProPriv foi estabelecida uma lista de 195 empresas, incluindo empresas públicas e empresas de direito angolano em que o Estado participa, directa ou indirectamente através da Sonangol– EP, no respectivo capital social, dos seguintes sectores: Agro-indústria, Construção Civil, Economia, Educação, Energia, Financeiro, Imobiliário, Indústria, Pescas, Recursos Minerais e Petróleo, Saúde, Transportes, Telecomunicações e Tecnologias de Informação e Turismo.
Até ao final de 2022, o ProPriv previu concluir cerca de 44 processos, afirmou o presidente do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), Patrício Vilar, no final de uma reunião da Comissão Nacional Interministerial responsável pela implementação do Programa de Privatizações, liderada pelo então ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, em que foi apresentado o ponto de situação do Propriv.
Patrício Vilar destacou entre estes a conclusão de processos no sector financeiro, nomeadamente o Banco Caixa Geral de Angola e a Bolsa de Valores e Dívidas de Angola (Bodiva); nas telecomunicações, a TV Cabo; na indústria, a quarta fase de privatização dos activos da Zona Económica Especial, Secil Lobito – Companhias de Cimento do Lobito e Unidades Industriais do Universo CIF; na construção, a Mota-Engil Angola, e na agro-indústria, a Fazenda de Sanza Pombo e Empreendimento do Cubal – Fábrica de Farinha de Milho do Cubal.
O responsável considerou positiva a execução do ProPriv, que atingiu já uma taxa de 67% relativamente ao total previsto. Segundo Patrício Vilar, o programa foi concebido para quatro anos, dos quais “em rigor, não decorreram sequer três”.
“Porque, na verdade, iniciámos em finais de 2019. Portanto temos 2020, 2021 e alguns meses de 2019 e depois, finalmente, os meses que decorreram até agora em 2022. Considerando este facto cronológico, não há a mínima dúvida que temos uma boa taxa de execução”, frisou.
MPLA pôs Angola à venda
Em Junho de 2019, o Governo anunciou que mais de 190 empresas públicas, 32 delas de referência nacional, seriam privatizadas via Bolsa de Valores para aumentar os níveis de eficiência. Essa dos níveis de eficiência teve piada. Lá foram os mesmos de sempre (do regime do MPLA) e o capital estrangeiro – mesmo que abutre – abocanhar a carne e deixar-nos os ossos… se não servirem para fazer farinha.
Em Maio de 2018, o Governo previa privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial. A informação constava do prospecto da emissão de ‘eurobonds’ de 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), a 10 e 30 anos e com juros acima dos 8,2% ao ano. Mudam-se (aumentam) as dívidas, muda-se o número de empresas. É o MPLA ao seu melhor estilo.
Em Outubro de 2018, a Economist Intelligence Unit (EIU) defendia que o processo de privatizações em Angola teria de ser bem gerido e alertava para a “crescente preocupação” sobre as ligações entre os destinatários das vendas das empresas e três dos mais altos dignitários do país: o Presidente da República (João Lourenço), o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço).
Segundo o, na altura, coordenador adjunto da comissão técnica de privatizações do Ministério das Finanças, Patrício Vilares, o processo de privatizações das empresas públicas já estava em curso e obedecia a normas e critérios com base na lei.
De acordo com Patrício Vilares, que falava à margem da 6ª reunião Ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o programa de privatizações visava a “melhoria do tecido produtivo”, envolvendo as empresas com maior impacto na economia para lhes dar “condições de maior competitividade e dinamização para o sector público”. Seriam privatizadas empresas dos sectores da agricultura, indústria, turismo, transportes, telecomunicações, finanças e mineiro.
A Comissão Económica do Governo aprovou o programa de privatizações, documento que identificava as empresas públicas ou de domínio público a serem privatizadas no âmbito da redução da intervenção do Estado na economia como produtor directo de bens e serviços, e da promoção de condições favoráveis à iniciativa privada, ao investimento estrangeiro e à aquisição de “know-how” em competências específicas.
Como teria Angola reagido à crise económica e financeira se a Sonangol já tivesse sido privatizada e, por isso, deixasse de estar sob a alçada (mesmo que incorrecta) do Estado? Seria possível, se esta empresa estratégica fosse de estrangeiros (mesmo que tendo sipaios do regime como administradores), amortecer o impacto da crise, garantindo algum poder negocial, nomeadamente a nível de empréstimos?
Privatizar uma empresa estratégica como a Sonangol seria (será, é) como privatizar as Forças Armadas, perdendo um dos principais factores da nossa independência económica e financeira, no caso.
Só por ingenuidade, sejamos optimistas, se poderá pensar que os nossos principais responsáveis políticos, a começar pelo Presidente da República, não alinharão nesta estratégia ultraliberal e, por isso, suicida. Privatizar a Sonangol é passar o nosso centro de decisão económico para estranhos e, inclusive, para fora do próprio país.
No caso de uma empresa, da empresa das empresas (a verdadeira galinha dos ovos de ouro, segundo João Lourenço), é seguir a estratégia dos que, do ponto de vista estritamente da rentabilidade comercial, e por isso apátrida, preparam as empresas com a única finalidade de as alienar, criando mais-valias, nada preocupados com quem é o comprador, para onde vai o centro de decisão, que consequências tratará para a economia nacional, para o seu tecido social, para a independência do próprio país.
A crise económica e financeira que Angola atravessa há alguns anos, não só exige como justifica que o Estado mantenha em seu poder empresas e entidades que são estratégicas e que deveriam ser inalienáveis. Estão a funcionar mal? Ponham-se a funcionar bem. Têm altos custos? Têm. Mas são custos que não podem implicar a venda da nossa identidade. E essa identidade só se mantém se, por exemplo, a Sonangol continuar a ser do Estado, continuar (ou voltar) a ser uma empresa âncora.
Angola (mesmo com a bélica oposição do MPLA) precisa de travar esta intenção antes que seja demasiado tarde. Não se trata de uma empresa como muitas outras que o Estado quer, e bem, privatizar. A Sonangol é… Angola. E Angola não está à venda (embora às vezes pareça) nem em fase de privatização. Ou será que está?
Numa longa análise ao processo de privatizações em curso em Angola, a unidade de análise económica da revista britânica ‘The Economist’ alertou para a necessidade de o processo ser bem gerido, sob pena de afastar os potenciais interessados.
“É importante que quaisquer vendas sejam bem geridas, entregando o melhor valor, e que as transferências sejam transparentes para evitar enriquecimentos ilícitos de uma elite bem relacionada politicamente”, avisaram os analistas sobre as privatizações esperadas, totais ou parciais, de empresas como a petrolífera Sonangol, a transportadora aérea TAAG ou a Angola Telecom.
“Vender empresas ou activos nacionais vai ajudar a obter o tão necessário financiamento para o Governo cortar os custos dos salários e reduzir as vulnerabilidades”, e deve também “ajudar o mercado, aumentando a concorrência e melhorando os padrões dos serviços, mas coloca um risco de aumento da instabilidade laboral se as reestruturações afectaram empregos e benefícios”, alertava-se na análise ao programa de privatizações angolano.
Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizações, para aumentar a eficiência, produtividade e competitividade da indústria do país, nacionalizada a custo zero pelo MPLA após a independência de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identificar 102 empresas para privatização total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.
Folha 8 com Lusa
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